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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Passeio de um dia em Cracóvia: a triste história dos judeus na Polônia

Após nosso passeio pelo centro histórico de Cracóvia (veja aqui), chegava a hora de seguir para a segunda parte do nosso roteiro da um dia na cidade polonesa: um passeio pelas cicatrizes da invasão nazista e do sofrimento judeu.

Começamos caminhando até o bairro conhecido como Kazimierz, a partir do Castelo de Cracóvia. Este bairro correspondia ao local de moradia da comunidade judia do século XIV até o início da Segunda Guerra Mundial, quando os milhares de judeus que lá viviam foram expulsos de suas casas pelos nazistas, sendo obrigados a se mudar para o Gueto de Cracóvia, localizado do outro lado do rio Vístula. Com o extermínio da grande maioria dos judeus, os poucos sobreviventes não mais voltaram para o Kazimierz após o fim da guerra, permanecendo o local completamente abandonado durante o domínio comunista da cidade.

Apenas após o fim da Guerra Fria e, especialmente, após o visibilidade do local proporcionada pelo filme A Lista de Schindler, que teve algumas das suas cenas filmadas no bairro, o Kazimierz voltou a receber atenção dos poloneses e passou a fazer parte do roteiro turístico da cidade. Atualmente considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, junto com o restante da Old Town de Cracóvia, o bairro tornou-se um importante centro cultural da cidade, abrigando restaurantes, cafés e livrarias e tendo seus prédios históricos restaurados. No entanto, é visível que este processo de restauração ainda não está completo, sendo possível observar inúmeras construções ainda com o aspecto de abandono.

Kazimierz






No entanto, aos poucos, os judeus começam a retornar para o antigo bairro e, anualmente, no final de junho, ocorre, no Kazimierz, o Jewish Culture Festival, que celebra a cultura hebraica e atrai inúmeros judeus da Europa. No bairro, inclusive, é possível encontrar sete Sinagogas.

Foi no Kazimierz que resolvemos almoçar. O bairro tem várias opções de restaurantes. Escolhemos um ao acaso e acabamos acertando. A comida estava ótima, mas, infelizmente, não recordo o nome. Uma vez reabastecidos, seguimos em direção ao outro lado do rio, onde se localizava o Gueto de Cracóvia. Nosso objetivo era visitar três locais: a Praça Bohaterów Getta, o que sobrou do muro que cercava o Gueto Judeu e o museu construído na antiga Fábrica de Schindler.

De todos os locais que visitamos neste dia de passeio por Cracóvia, estes eram os mais distantes. Fomos caminhando, mas, se você estiver muito cansado, pode pegar um tram (números 7, 9, 11, 13, 24, 50 ou 51) e descer na estação Plac Bohaterów Getta.

À medida que a gente foi se aproximando da área do antigo Gueto de Cracóvia, fomos percebendo como os prédios desta região eram menos conservados, feios e com o aspecto mais abandonado do que o restante da cidade. Isto associado ao fato de sabermos o que aconteceu ali, de sabermos que milhares de famílias tiveram seus bens e suas casas roubadas e foram obrigadas a viver amontoadas naquela região e que, dali, a maioria foi enviada para morrer nos campos de concentração, tornou o dia ainda mais cinzento e o clima ainda mais frio e pesado.

Gueto de Cracóvia


E, seguindo o mapa, chegamos à Praça Bohaterów Getta. Aqui foi o local onde os oficiais nazistas reuniam os judeus que residiam no gueto para transportá-los até o trem que os levariam até os campos de concentração. Enganados com a promessa de que eles estavam sendo levados para um novo local onde iriam morar e trabalhar com dignidade, muitos chegavam à praça carregando seus bens, incluindo a própria mobília. Os oficiais, no entanto, não os deixavam levar nem mesmo a mala com suas roupas e os prometia que, na chegada, seus bens seriam devolvidos. Os pertences deixados para trás, na praça, enquanto seu donos seguiam para a morte, inspirou o memorial existente, atualmente, no local: inúmeras cadeiras, cada uma representando milhares de judeus que, dali, partiram para os campos de extermínio.

Praça Bohaterów Getta



E bastou eu colocar os pés na praça para sentir um aperto estranho no peito e deixar as lágrimas caírem. Era o nosso primeiro contato com a triste memória do horror que assolou a Polônia durante a Segunda Guerra. Dali para a frente, todas as nossas visitas, no país, estariam relacionadas ao holocausto. Deixei as lágrimas brotarem enquanto imaginava o que ocorrera naquele lugar. Felizmente, nossa imaginação não é fértil suficiente para conseguir alcançar tudo o que, de fato, ocorreu no antigo Gueto de Cracóvia.



Aos poucos, comecei a perceber a cidade em volta da praça. Habitantes indo e vindo do trabalho, crianças brincando, um grupo de estudantes ouvindo as explicações de um provável professor em torno de uma das cadeiras. Para nós, que estávamos pisando ali pela primeira vez, fica até difícil imaginar como aquelas pessoas conseguem conviver com as memórias daquele lugar. Mas para os poloneses que ali moram, trabalham e criam suas famílias, a vida seguiu. E nada melhor para um local que viveu tanta tristeza do que a oportunidade de servir de cenário para o ciclo da vida que, constantemente, se renova e recomeça. É vida que segue...

Mas mesmo seguindo em frente, a cidade não deixa que essa fase triste da sua história se perca no tempo. As cadeiras na praça do gueto estão lá para relembrar o holocausto. E uma pequena parte do muro que cerca o gueto foi deixada de pé, num claro lembrete de até que ponto pode chegar a maldade humana. Afinal, não bastou expulsar os judeus de suas casas e obrigar até 4 famílias dividirem um único e apertado apartamento. Os nazistas também os cercaram com um muro, cujas saídas eram rigorosamente vigiadas. Não havia mais liberdade para os judeus. E, num toque de humor negro e doentio, os nazistas obrigaram os próprios judeus a erguerem o muro com o formato das típicas lápides judaicas. Triste e perverso...







Para chegar ao que sobrou do muro, basta pegar a rua Lwowska a partir da Praça Bohaterów Getta, como mostro no mapa abaixo.

Mapa mostrando o trajeto entre a Praça Bohaterów Getta, o fragmento restante do muro do gueto e o museu da antiga Fábrica de Schindler
O mapa acima também mostra o trajeto entre o muro e a Fábrica de Schindler, onde, atualmente, funciona um museu que conta a história da ocupação nazista de Cracóvia. O museu é muito bem organizado. Conta toda a história da participação da cidade na guerra em ordem cronológica. Expõe tanques e armas, entulhos originados pelos bombardeios, jornais e fotos da época, filmagens antigas e áudios dos ataques. E, ao final, presta uma bonita homenagem aos judeus. Mas sem esquecer do dono daquela antiga fábrica: Oskar Schindler.

Antiga Fábrica de Schindler




Aproveitando-se do seu carisma e da amizade que tinha com oficiais nazistas e também a partir de subornos, Schindler conseguia convencê-los a não enviar os judeus que trabalhavam em sua fábrica de utensílios de cozinha para os campos de concentração. Fala-se que, a princípio, ele apenas queria ganhar dinheiro fácil com os trabalhadores judeus. Mas, com o tempo, ele começou a fazer de tudo para salvar aqueles que estavam sob sua proteção, chegando a perder toda a sua fortuna com subornos. Ao final da guerra, ele havia salvo a vida de cerca de 1200 judeus.

As fotos dos judeus salvos por Schindler estão expostas na fachada do museu. E o seu antigo escritório é mantido para visitação dentro do mesmo. 



"Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro"


Escritório de Schindler


Para visitar o museu, aconselha-se que seja feita reserva online, escolhendo o dia exato e a hora na qual você pretende visitá-lo, uma vez que o número de visitantes é limitado e você pode não encontrar mais ingressos disponíveis no dia da sua visita se deixar para última hora (a cada 20 minutos são disponibilizados 15 ingressos). O pagamento, no entanto, só deverá ser feito no dia da visita, no próprio museu ou no Visitor Centre localizado Cloth Hall da praça do Mercado.

Mas não apenas Schindler ajudou os judeus residentes do gueto. Um farmacêutico, Tadeusz Pankiewicz, dono de uma farmácia localizada ao lado da Praça Bohaterów Getta, também prestou sua solidariedade, fornecendo medicações de graça aos judeus, além de, junto com sua equipe de trabalho, contribuir para o contrabando de alimentos e informações, transformando sua farmácia em um local de resistência e de encontros clandestinos.

A Apteka Pod Orlem, farmácia de Tadeusz Pankiewicz, que tanto ajudou os judeus do gueto

Por mais Oskar e Tadeusz no mundo...

Terminando o passeio pelo museu, retornamos para a praça Bohaterów Getta, para pegar um tram de volta à Praça do Mercado. Para isso, basta pegar um dos seguintes números: 7, 13 ou 24; e descer na estação Poczta Glowna, seguindo a pé até a praça.

A esta altura, a noite já havia caído e, por incrível que pareça o frio havia diminuído bastante. Na verdade, nos dois dias que ficamos em Cracóvia, observamos este estranho fenômeno: manhãs muito mais frias do que as noites. Vai entender... 

Aproveitamos para andar um pouco mais pela Praça do Mercado, onde jantamos e seguimos depois para nosso merecido descanso. Na nossa mente, apenas reflexões sobre o que vimos e sentimos...

"Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro"


PARA SE PLANEJAR:

1. Fábrica de Schindler

Horário de funcionamento: varia de acordo com o mês do ano. Checar no site oficial. 
Entrada: 21 PLN 
Como chegar: de tram, descendo na estação Plac Bohaterów Getta (números 7, 9, 11, 13, 24, 50 ou 51), seguindo a pé até a rua Lipowa, número 4.


OBS:
1. Os preços indicados neste post correspondem aqueles em vigência na época da viagem. Recomendo pesquisar novamente os valores das atrações na época da sua viagem.

2. Este post não recebeu nenhum tipo de patrocínio





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